terça-feira, 1 de junho de 2010

Desmatamento e polítcas ineficazes são agravantes


A seca no sertão nordestino, está entre as questões mais graves do Brasil. Há séculos os governos têm tentado resolvê-la, sem sucesso.

As políticas de combate à seca no Nordeste remontam à época do
Império. D. Pedro 2º determinou a construção de açudes, entre outras ações, para diminuir os efeitos da estiagem, entre os anos 1877 e 1879.

O próprio imperador declarou: "Não restará uma única jóia na Coroa, mas nenhum nordestino morrerá de fome".

Em 1951, um grupo de estudiosos determinou os limites da região atingida por estiagens periódicas, que passou a ser chamada Polígono das Secas. Veja o mapa com as áreas atingidas pela seca, na época:

Reprodução/IBGE
O Polígono das Secas

A área abrangia os quase todos os estados do
Nordeste, menos o Maranhão, além do norte de Minas Gerais.

Causas da seca

Mas o Polígono das Secas aumentou de tamanho. O Maranhão, que estava "fora" da área de ocorrência de secas longas, vem enfrentando o problema nos últimos 25 anos.

Nas regiões atingidas, é comum a estiagem se prolongar por dois ou três anos. Isso gera uma situação de calamidade para milhões de sertanejos.

A ampliação da área da seca está relacionada à forma de ocupação humana nessa região, desde o século 16. Trata-se do uso predatório da terra, tirando dela o máximo possível em produtividade sem preocupação com o esgotamento.

O principal fator foi desmatamento excessivo que deu fim à vegetação em torno das nascentes dos rios. Isso mesmo: sem as árvores, secam o rio e a fonte de onde vem a água.

Sem a proteção do verde, o solo frágil e arenoso não resiste e a região torna-se árida. Com isso, o clima muda: há menos chuvas. E o lugar é ocupado pela caatinga, ou se transforma em deserto.

Indústria da seca

O primeiro órgão de combate à seca foi criado em 1909, chamava-se Inspetoria de Obras Contra as secas (IOCS). Em 1919 tornou-se a Inspetoria Federal de Obras Contra a Secas (IFCOS). Em 1945 ganhou novo nome: Departamento Nacional de Obras Contra a Secas (DNOCS).

Todos esses órgãos procuram definir metas e solucionar o problema com obras para armazenar água e suprir a população, a agricultura e a pecuária.

Mas tem sido insuficiente, como se vê pelo aumento da área atingida. Além do desmatamento, a seca do Nordeste está ligada à falta de políticas que realmente funcionem em benefício da população.

Durante a estiagem, o governo federal socorre os estados atingidos com envio de dinheiro para ser aplicado nessas áreas, cestas básicas para a população, perdão total ou parcial das dívidas de empréstimos tomados por empresários e fazendeiros. Estudiosos declaram que existe uma "indústria da seca", da qual alguns se beneficiariam de forma política e financeira.

Água limpa e sem sal no nordeste do Brasil





Milhares de pessoas do semi-árido nordeste do Brasil saciam sua sede graças a uma tecnologia pouco usada na América Latina: as membranas de osmose inversa, que permitem dessalinizar e limpar a água. Em mais dois anos, poderão ser produzidas localmente. As membranas são uma espécie de pele sintética muito fina, feita com diferentes materiais, geralmente polímeros de plástico. O processo é conhecido como osmose inversa porque as membranas (que são semipermeáveis) deixam passar apenas a água, retendo as impurezas."As membranas são eficientes para melhorar a qualidade da água em grandes cidades, abastecidas por mananciais que recebem um coquetel de substâncias contaminantes", disse ao Terramérica Renato Ferreira, gerente de projetos da Secretaria de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente. "O sistema convencional de tratamento da água não elimina metais pesados nem agrotóxicos, mas as membranas sim", explicou. No momento, as membranas são usadas para dessalinizar águas subterrâneas que abastecem pequenas comunidades do interior semi-árido do nordeste brasileiro.

Nessa região, vários órgãos governamentais instalaram cerca de dois mil equipamentos de dessalinização na década passada, mas a maioria está desativada ou operando precariamente, por causa de dimensões inadequadas e falta de capacitação de seus operadores, disse Ferreira. O Programa Água Doce, iniciado em 2004 sob sua coordenação, tem como primeira meta recuperar os equipamentos e garantir sua manutenção, envolvendo as comunidades em sua gestão e formando técnicos. Para isso, serão criados grupos executivos em cada um dos nove Estados contemplados, com a participação de prefeituras, autoridades de diversos setores e organizações não-governamentais. Desse modo, serão obtidos diagnósticos dos equipamentos a serem recuperados e as novas necessidades, articulando a ação de todos os interessados, para evitar as falhas anteriores.

No Nordeste, onde a água é dramaticamente escassa, por causa das freqüentes secas, a subterrânea é uma alternativa, mas, em geral, muito salobra, devido ao subsolo rochoso. A água da grande maioria dos poços tem cerca de três mil partes por milhão de sal, em média, o triplo do adequado ao consumo humano, segundo a Organização Mundial da Saúde, destacou Ferreira. Em toda a região semi-árida existem cerca de cem mil poços perfurados, mas 70% já estão secos ou têm água muita salgada. Sobram cerca de 30 mil aproveitáveis que poderiam produzir uma média de quatro mil litros diários de água dessalinizada cada um. Teoricamente, o total seria suficiente para abastecer os 23 milhões de habitantes locais.

Dimensionar bem cada equipamento de dessalinização é indispensável, de acordo com a quantidade e a qualidade da água de cada poço. Alguns contêm muito ferro e necessitam de um tratamento químico prévio para não danificar as membranas. Outros, com mais cálcio ou magnésio, exigem diferentes pressões para filtragem e equipamentos com uma quantidade específica de membranas, que pode variar de três a nove, exemplificou Ferreira. Um equipamento dessalinizador simples, de três membranas, custa cerca de US$ 7 mil. "Não é muito, considerando que abastece aproximadamente 800 pessoas", disse o especialista.

As membranas usadas na dessalinização são importadas, mas pesquisadores das universidades federais de Campina Grande (UFCG) e do Rio de Janeiro (UFRJ) desenvolvem modelos para variadas finalidades, buscando independência tecnológica e redução de custos. "Dentro de dois anos o Laboratório de Referência Nacional em Dessalinização da UFCG terá uma membrana capaz de substituir as importadas, mas até ser produzida pela indústria nacional levará muitos anos", disse ao Terramérica Kepler Borges França, coordenador do Laboratório, que difunde essa tecnologia no Nordeste. O Laboratório usa cerâmica como material para desenvolver suas membranas; as importadas são de polímeros.

Pelo Programa Água Doce, durante o processo de dessalinização, apenas metade da água sai limpa. A outra metade fica com o dobro de concentração de sal e inicialmente era jogada fora, contaminando o solo. Por isso o Centro do Semi-Árido, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), desenvolveu um sistema em que parte dessa água salgada serve para o cultivo do peixe tilápia rosa (Oreochromis sp). O restante é usado para irrigar plantações de erva-sal, que absorve o sal do solo e é bom alimento para cabras e aves.

Além da dessalinização, as membranas têm múltiplas aplicações. Uma, obtida pela Coordenação de Pós-Graduação de Engenharia da UFRJ, é a separação de aromas, já conseguida em frutas tropicais e no café, fato que melhorará o sabor de sucos e do café solúvel, ampliando a liderança brasileira nesses produtos. "As membranas permitem recuperar quase totalmente os aromas, que, por exemplo, na laranja incluem mais de 200 componentes", disse ao Terramérica Cristiano Borges, professor do curso de pós-graduação.

Os aromas são separados por "pervaporação" (evaporação seletiva dos componentes), usando membranas, explicou Lourdes Cabral, do Centro de Agroindústria de Alimentos da Embrapa, que participou do projeto referente ao café. Obter a essência natural é vital para a indústria do café solúvel, que os consumidores brasileiros rejeitam por perder o aroma e o sabor do grão.

Também há membranas usadas na produção de álcool por fermentação, com grande redução de custos, bem como outras que são utilizadas na indústria petrolífera, para filtrar substâncias como os sulfatos da água marinha, que penetra nos poços de petróleo. A presença de sulfatos pode dificultar ou bloquear a extração.

Captação de água: nordeste brasileiro adapta experiência chinesa


A falta d´água como impedimento para o desenvolvimento rural e de boas condições de vida dos moradores da região semi-árida do noroeste da China está sendo enfrentada através do sistema 1+ 2+1, que capta e armazena a água da chuva em cisternas para abastecer a população em períodos de seca. A região, pobre e ecologicamente frágil, tem algumas semelhanças com o nordeste brasileiro, que está adaptando o sistema, com sucesso, nos municípios de Crateús, no Estado do Ceará, e Cajazeiras, na Paraíba. Os custos acessíveis, a capacidade de produzir resultados imediatos e o nível tecnológico apropriado para uso em grande escala, elementos prioritários também da agricultura familiar nordestina, são características do método chinês. A captação de água da chuva no estado de Gansu (noroeste da China), superando as restrições impostas pela escassez de água que outros modelos não conseguiram, é uma referência. "Os maiores desafios são o financiamento para construção massiva de cisternas e a conscientização da comunidade sobre a viabilidade do processo", afirma João Gnadlinger, técnico do Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (IRPAA), de Juazeiro da Bahia, que passou alguns meses na China visitando a experiência. Ele explica que o programa "1+2+1" é formado por três partes: uma área de captação (100 metros quadrados), duas cisternas de armazenamento d´água (uma para água potável e outra para irrigação) e uma área de terra a ser irrigada (com produção de culturas comercializáveis). O governo chinês dá o cimento para construção de tanques e as famílias contribuem com a areia e a mão-de-obra. A disseminação em larga escala começou em 1995, quando foi priorizado o abastecimento de água potável. Hoje, o programa visa principalmente a irrigação em escala familiar. Nas duas etapas, houve campanhas de conscientização da comunidade. O "1+2+1" resultou no aumento significativo das colheitas de grãos (milho e trigo), frutas (maçã, pêra e pêssego) e da produção de hortaliças em estufa. Foram construídas mais de 2 milhões de cisternas (73,1 milhões de m³ de água), que mataram a sede de 1,3 milhão de pessoas e 1,1 milhão de animais. Mais de 1 milhão de pessoas saíram do estado de pobreza, o que levou outros estados a adotar sistemas similares. O Programa para o Desenvolvimento do Oeste da China prevê, ainda, a construção de terraços em encostas, com 2,5 milhões de cisternas e irrigação de 400 mil hectares. No Brasil, o sistema recebeu o nome de "2+1": dois tipos de água (para uso humano e para a produção) e a terra, e é defendido pelas pastorais das igrejas e por ONGs que há anos trabalham no semi-árido do Nordeste, mas reproduzem os velhos esquemas mentais e políticos de dominação. Para divulgar e implementar essa proposta, estão preparando uma grande campanha de esclarecimento e conscientização em nível nacional. "Afinal, a transposição do rio São Francisco significa solução ou mais um problema? Paliativos como esse não dão sustentabilidade ao Nordeste. Logo, sua implantação, num prazo de mais de 10 anos, vem novamente favorecer o agronegócio, os fins privados, fazendo aumentar o abismo entre ricos e pobres", defende o coordenador da Comissão Pastoral da Terra na Bahia, Ruben Siqueira. Para ele, o programa "2+1" é uma alternativa viável à transposição porque não reproduz o modelo das grandes obras do governo, mas será uma ação economicamente viável e de resultado em curto prazo, que cada família desenvolve com o apoio financeiro do governo. "Se a China, que é mais populosa e tem menos chuvas, convive bem com o semi-árido, nós não conseguimos porque fomos ensinados que o problema da seca não tem solução. Temos mais água que a China, mas não há captação e armazenamento. A indústria da seca transformou o nordestino em massa de manobra dos grandes centros de desenvolvimento, que têm interesse em manter a imagem de região eternamente problemática", opina Siqueira. * Ana Karla Dubiela é jornalista da Adital destacada para cobertura da mobilização social do Programa Fome Zero.